Eu tenho me apaixonado e me envolvido cada vez mais com divulgação científica. Não só aquela divulgação entre os cientistas mas a divulgação da ciência para a população leiga. Não há dúvidas que a divulgação científica é uma maneira crucial para a interação dos cientistas com a população, na medida que transforma a linguagem científica em uma linguagem mais popular e acessível. Apesar de ser óbvia a importância da divulgação científica, ela ainda é incipiente no Brasil.
O Leandro, um leitor aqui do blog, comentou uma vez em algum post: “Poucos são os que tem acesso à divulgação científica e os que tem, muitas vezes não a entendem.“.
Eu poderia decorrer páginas e páginas de opinião sobre esse seu ótimo comentário Leandro. Vou tentar resumir algumas das minhas ideias e dar algumas dicas de busca de informação científica relevante.
Vamos a 3 pontos importantes sobre o comentário do Leandro:
1) Poucos têm aceso porque são poucos os meios de divulgação científica no Brasil;
2) Poucos entendem porque a transformação da linguagem científica para a linguagem leiga não está sendo efetiva e porque o Brasil tem um déficit gigantesco em educação.
3) Muitos se sentem perdidos porque os itens acima juntamente com a facilidade da internet vêm criando um aumento exponencial no número de websites, páginas de facebook e canais de youtube que divulgam informações científicas enviesadas, limitadas e erradas (claro que há bons divulgadores no meio do mar da má informação).
Então aqui vai minha primeira dica em como procurar informações científicas relevantes. Quando estiverem navegando no oceano da internet procurem as fontes, referências ou bibliografia citada geralmente ao final do artigo. Não acreditem em artigos científico sem referências.
Fonte científica é trabalho científico, esses realizados por cientistas e que tem introdução, métodos, resultados e conclusões (igual àqueles relatórios que a maioria talvez já tenha feito no colégio). Caso leiam um artigo que cita um outro website, busquem o artigo científico que estudou e que apresenta os dados de determinada informação. Não compartilhem e não formem opiniões a partir de textos sem fonte científica.
Mesmo com a dificuldade de se achar conteúdo de qualidade, a divulgação científica é de extrema importância por vários motivos e um deles é a necessidade dos cientistas de prestar contas à sociedade sobre os avanços e realizações. A comunicação da ciência ao público é a forma pela qual os cientistas podem ganhar apoio popular para preservar políticas de incentivo ao seu trabalho. Além disso, a comunicação científica empodera a população em tomar decisões políticas e econômicas com base em evidências. Uma descrição excelente dessa vertente da divulgação científica pode ser encontrada no artigo de Gustavo Martineli Massola, José Leon Crochík e Bernardo Parodi Svartman na revista Psicologia USP.
O problema acontece quando a divulgação é feita de maneira errada ou enviesada, e quando a população não tem educação científica. Um conteúdo de má qualidade presta um desserviço enorme à população, à educação e à divulgação científica. Guilherme Brockington e Lucas Mesquita, da Universidade Federal de São Paulo, escreveram um artigo muito interessante na Revista da Biologia. Neste artigo eles citam alguns exemplos de como a má divulgação científica pode desencadear sérios problemas sociais, comportamentais e até de saúde pública.
Estamos vivenciando, por exemplo, o impacto desastroso das notícias sensacionalistas de que vacinas poderiam estar associadas com o autismo. Tudo começou em novembro de 1998 quando o Dr Andrew Wakefield e seus colegas publicaram um artigo na revista científica chamada The Lancet. O artigo mostrava uma relação entre alguns tipos de vacinas e o início de autismo. O artigo além de ser de baixa qualidade, continha diversos erros de desenho experimental como a falta de grupos controle, falta de qualquer evidência de causalidade, grupo amostral muito pequeno, enviesamento de gênero. Tudo isso foi ignorado pela mídia o que desencadeou uma diminuição da vacinação de crianças. Em 2010, o artigo de Wakefield foi retratado (isso acontece quando outros cientistas apontam os erros e a revista retira o artigo de circulação). Mesmo assim a população continua acreditando que pode existir uma relação entre vacinas e autismo. NÃO EXISTE! Temos inúmeras evidências científicas mostrando que vacinas diminuem a incidência de doenças e não causam autismo. Continuem vacinando suas crianças pelo bem delas mesmas e o bem na humanidade pois previne a propagação de diversas doenças.
Aí vocês podem me falar: Karina, foi uma artigo científico que falou que havia relação entre a vacina e o autismo. Eu achei que poderia confiar em um artigo científico.
Não, vocês nunca devem formar uma opinião baseada em um único artigo científico. E essa é a minha segunda dica. A descrição e divulgação de artigos isolados é importante para que a população entenda quais os passos e direções que a ciência está tomando. No entanto, uma decisão em não vacinar os filhos, por exemplo, não pode ser baseada em um único artigo.
A ciência é um método de testar o mundo. Cada cientista faz uma pergunta e testa com as ferramentas que tem em mãos. No entanto, essas ferramentas são limitadas para cada laboratório e também para cada momento histórico, uma vez que a tecnologia vai evoluindo. Com isso, são necessários diversos estudos, com ferramentas diferentes para se coletar evidências suficientemente robustas que afirmem que uma teoria pode, então, ser tomada como uma lei científica. E essas evidências também não podem ser coletadas somente por um único cientista isolado. Uma das premissas da ciência é replicabilidade, ou seja, diversos cientistas em diversos lugares obtém resultados similares para uma mesma pergunta.
Continuem lendo os textos descritivos dos trabalhos científicos isolados, mas se quiserem formar uma opinião determinística sobre algum assunto, procurem diversos textos de diferentes trabalhos científicos.
Minha terceira e última dica para este texto é: se aproximem e incomodem os cientistas. Isso mesmo, cientistas são pessoas normais que, muitas vezes, vivem enclausurados em suas masmorras chamadas laboratórios (brincadeirinha, a gente se diverte também 🙂 ). Incomode-os! Grande parte da ciência atual é paga com dinheiro público (seu dinheiro) e isso quer dizer que a ciência é um pouco sua também. No Brasil, a maioria dos cientistas estão concentrados nas universidades públicas. Os emails de contatos dos cientistas estão na internet (sites de universidades, sociedades de ciência) e vocês podem escrever, ligar e descobrir palestras e conferências. Além disso, vocês podem descobrir cientistas das mais diversas áreas procurando o curriculum deles na Plataforma Lattes. Não desistam por causa de alguns cientistas que não responderem ao chamado: gente esquisita tem em todo lugar. Tenho certeza que encontrarão cientistas abertos ao papo e às dúvidas.
REFERÊNCIA:
Por uma crítica da divulgação científica. Gustavo Martineli Massola, José Leon Crochík e Bernardo Parodi Svartman. Psicol. USP vol.26 no.3 São Paulo Sept./Dec. 2015
As consequências da má divulgação científica. Guilherme Brockington e Lucas Mesquita. Revista da Biologia. 2016. doi: 10.7594/revbio.15.01.03.
Why Public Dissemination of Science Matters: A Manifesto. David M. Eagleman. Journal of Neuroscience 24 July 2013, 33 (30) 12147-12149.
Vaccine-related beliefs and practices of parents of children with autism spectrum disorders. Bazzano A, Zeldin A, Schuster E, Barrett C and Lehrer D. Am J Intellect Dev Disabil. 2012; 117:233-42.