Meu primeiro concurso para docente…

prof1Oi pessoal! Espero que não tenham me esquecido. Passei uma temporada entre organizar minha vida antes de sair de férias, prestar o meu primeiro concurso para o cargo de docente em uma universidade pública, curtir minhas férias regada a família, amigos, carnaval e praia, voltar para casa, reorganizar a vida em casa e no trabalho, reorganizar a mala para viajar para um congresso científico, dar palestra, apresentar poster e assim continuar minha vida acelerada. Por tudo isso demorei tanto tempo.

Já perdi a conta de quantas vezes contei a história do concurso. Daqui para frente vou pedir para vir ler o texto do TimTim. 🙂

Para quem não é da área ou ainda não chegou na fase de concursos, aqui vai uma pequena introdução: um concurso para docente em uma universidade pública é um ritual amargo, confuso e interessante. Imaginem vocês que na maioria das regiões só presta esse concurso quem já tem doutorado (as vezes também mestrado), já tem experiência como pós-doutorando e alguns trabalhos científicos publicados. Ainda valem pontos se temos experiência no exterior, verbas para projetos de pesquisa e experiência em docência. É um bando de gente que já estudou muito nessa vida tentando uma vaga. Será que vale a pena?

ENVIOVamos aos fatos. Eu paguei uma inscrição no valor de R$ 227,86 e entreguei um tanto de documentos: boleto e comprovante originais de pagamento da taxa de inscrição; 1 cópia do documento oficial de identificação; 2 vias do formulário dirigido à Pró-Reitora de Gestão Com Pessoas; 11 cópias em meio digital (desperdício insano) contendo os seguintes documentos: Curriculum Vitae Lattes; Memorial e Projeto de Pesquisa; e 1 cópia impressa encadernada de todos esses documentos anteriores. 

Tudo isso entregue pessoalmente ou através de procuração simples. Está aí um primeiro atraso. Apesar de saber que algumas universidades estão melhorando, exigir a entrega pessoal dos documentos já enviesa quem pode ir até a instituição ou quem tem alguém naquela cidade para ajudar. Aqui fica um apelo para digitalizar o sistema, afinal estamos na era dos computadores e da internet. Muito mais democrático e fácil.

Eu prestei o concurso para o cargo de docente de Biofísica na Universidade Federal de São Paulo (minha querida casa de graduação e pós-graduação). Foi emocionante estar de volta à universidade que morei por 10 anos. Ainda mais emocionante foi ver os calouros de Biomedicina fazendo matrícula. Era o primeiro dia. Neste dia, os sonhos e as esperanças são infinitos. Agora, nem tanto.

Durante os dias que passei para lá e para cá na universidade, percebi que muitas coisas não mudaram, não renovaram. Eu mesma fiz minhas apresentações do concurso no mesmo minúsculo auditório que tive aula há anos atrás. Sala ultrapassada, lousa de giz, carteiras pequenas, espaço ruim. É triste vivenciar isso e, a ver pela situação atual do país, o problema deve piorar. O que me faz pensar em quais condições um recém contratado docente inicia seu trabalho?

Li o edital, preparei os documentos e toda hora olhava angustiada para o valor da remuneração para um regime de trabalho de 40 horas semanais – Dedicação Exclusiva (isso mesmo, a gente fica proibido de ter outras atividade remuneradas):

Total Remuneração: R$ 9.114,67 (bruto)

Será mesmo que valeria a pena?

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Tenho plena consciência de que esse salário é maior que o salário para diversos outros setores. Se os outros setores têm um exagerado defaso salarial, o docente de nível superior não foje ao caso.

Eu já não sei mais se vale a pena! E isso nada tem a ver com esse concurso ou com qualquer outro, tem a ver como minha opinião pessoal que vem sendo construída com o passar do tempo.

Voltando ao concurso. Quarenta pessoas se inscreveram e 24 foram prestar. Cinco membros na banca.

Na primeira etapa apresentei meu projeto. Haviam boatos que o departamento de Biofísica queria alguém de estrutura proteica, o que me faria “rodar” na primeira fase já que meu projeto e curriculum são embebidos em eletrofisiologia. Qual foi minha surpresa e alegria quando passei. E passei com a melhor nota de todos os candidatos (média de uns 9.2 dos 5 membros da banca).

Brain - 3D illustration.Incrível. A arguição dos docentes foi legal, mas um pouco descabida. Nenhum dos membros da banca tinha formação aprofundada em Biofísica, muito menos em eletrofisiologia, cerne do meu projeto de pesquisa que avalia os efeitos do álcool em neurônios e sinapses específicas do cérebro. Apesar do meu projeto científico ser 95% sobre eletrofisiologia, tópico intrinsicamente associado à Biofísica, um membro me perguntou como meu projeto se encaixaria na Biofísica considerando que a Neurociência é um pedacinho da Biofísica. Oi? Eu respondi: “Com todo respeito vou discordar, mas é a Biofísica que é um pedacinho da Neurociência…”. Alguns dirão que eu deveria ser mais política, mas eu prefiro ser sincera e real. Não pegou mal, tanto é que passei com uma nota excelente para a segunda fase do concurso. 

E foi na segunda fase que as coisas desandaram. Não passei para a terceira fase por 0.1. Tenho certeza que posso melhorar alguns pontos da minha aula didática, mas eu acho que minha aula merecia ter sido aprovada mesmo que fosse com uma nota mais baixa.

Vocês devem imaginar o quanto estressante é a situação de um concurso. Agora imaginem só que você dá uma aula do assunto que conhece e um membro da banca, com um conceito limitado na cabeça, questiona determinado ponto. Você responde. Esse membro não acredita na sua resposta e pronto, contamina o resto da banca.

Aos fatos! Quando aprendemos transporte por membrana simples, aprendemos que o potencial eletroquímico do cloreto é zero e, portanto, esse íon contribui muito pouco para o potencial de repouso de uma membrana. Foi isso que o professor alegou para duvidar da minha explicação de como ocorria hiperpolarização da membrana dos neurônios.

No entanto, no neurônio (e principalmente na sinapse) a tendência do cloreto é entrar na célula mesmo que a parte interna da célula seja negativa. Isso acontece porque a força química de entrada é muito maior que a força elétrica de saída. O cloreto está muito mais concentrado fora do neurônio acompanhando os íons de sódio. Eu ainda exemplifiquei com o funcionamento da sinapse GABAérgica (figura abaixo), aonde o neurotransmissor GABA ativa os receptores GABA-A, fazendo com que o cloreto entre na célula e hiperpolarize o neurônio. Além disso, existem bombas de cloreto que o jogam para fora da célula ajudando a manter a diferença de concentração.

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No nervosismo minha resposta não foi concisa, direta e clara. Admito isso sem nenhuma vergonha. No entanto, minha resposta não foi errada como deselegantemente foi insinuado pelo membro da banca a outros presentes na sala. O conceito que o professor tinha na cabeça não se aplica aos neurônios e, por ele não ter acreditado em mim, ele mudou a trajetória do concurso. 

Isso provavelmente me tirou do concurso.

Tive outros erros que admito que posso melhorar: foi notado uma ou duas crases erradas em dois slides e eu falei uma vez na aula que o sódio “entrava para dentro” do neurônio (pleonasmo). Só que eu não acho que deslizes como esses tirariam mais de 3 pontos da minha nota.

Para completar tiveram perguntas incríveis como: Por que Deus criou o período refratário do potencial de ação? E eu tive que responder que na minha humilde opinião (sou atéia) Deus não havia criado nada daquilo, mas que o período refratário era importante por isso, aquilo e aquilo…

Também me perguntaram por que minha aula sobre potencial eletrotônico e potencial de ação foi baseada no neurônio, mesmo que eu tenha citado e explicado as diferenças entre os potenciais no neurônio, no músculo esquelético e no músculo cardíaco. O argumento foi que ao final do primeiro e segundo semestre da faculdade o aluno não sabe que o corpo possui diferentes tipos celulares. Pois eu sabia, caiu no meu vestibular…

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Não quero estender mais o texto, mas confesso que foi um experiência muito interessante. Nem boa, nem ruim…

E para finalizar, eu não passei no concurso e ninguém na realidade passou. Os dois candidatos aprovados para a última fase não passaram. A vaga ficou em aberto o que não é de praxe nesses concursos. Agora será necessário outro concurso e mais dinheiro público.

Man-With-Question-02De tudo isso, o que me incomoda de fato é saber que qualquer um que passasse receberia um aperto de mão, um parabéns e estaria solto para muitas vezes brigar por algum espaço no departamento, montar um laboratório sem nenhuma verba inicial, participar de reuniões burocráticas sem fim e dar aulas.

Com os pés no chão e sem a ingenuidade do meu primeiro ano de faculdade já não sei se eu me encaixo na universidade pública no Brasil. Mesmo assim, ainda não perdi o amor pela ciência.

Aprendi bastante e que venham concursos novos e diferentes! 😉

Um comentário sobre “Meu primeiro concurso para docente…

  1. Karina, talvez fuja um pouco do seu post, mas estou aqui pensando o quanto o processo de terceirização poderá afetar a carreira de professor na Universidade Publica… Acho bem provável que esse modelo de concurso público esteja chegando ao final. Mas sinceramente não sei se isso será bom ou ruim…

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